segunda-feira, julho 31, 2006

Post-it para mim

Lembra-te que o tempo avança depressa, mas lento de mais para quem anseia a palavra fogo. Lembra-te que existem dias sem fim, que catapultam para o fundo do mar a dor sentida no quente-frio que está lá fora trazido agora para dentro de mim. Lembra-te que, mesmo quando a porta não se abre, mas as janelas do olhar escancaram-se até depois da linha do horizonte distante, a alma aproximou a névoa enquanto os ponteiros do relógio se entretinham em rodar ao contrário. Lembra-te agora dos segundos manipulados por mãos rasgadas, incrédulas e inertes que jamais sonharam ter vida entre elas, habituadas a acariciar a morte entre nuvens doces de óleo ensanguentado.
Lembra-te da vida antes e depois da tarde quente que já passou e sobre ela passaram mais tardes e noites que continuas a viver acreditando. Lembra-te que sobre a carne já passou o aglomerado de dias riscados na parede onde a água escorre, lavando as letras das tuas cartas agrilhoadas ao futuro negro.
Lembra-te.
Lembro-me.
Escreve-me a branco, numa folha igual para que não me leia mas que recorde o esquecimento.

quinta-feira, julho 27, 2006

Apontamento de uma longínqua noite de inverno

De todas as maneiras de dizer o terror
Escolhi a tua voz
E ela passa por mim como serpente calafrio,
Ar inquinado de mestre que sobe e desce a vertigem da espinha
Cortando a direito pelos nós armadilhados
Das encruzilhadas de ossos e nervos e veias explosivas
Raspando nas peles esticadas, nos músculos, no marfim sinistro dos ossos,
Fazendo música estranha e vã que ninguém conseguirá ouvir.

Todos os sons que existem estão lá fora, em sinistra resolução.
O barulho mar sai da terra que o sustém por baixo,
Rouco, sereno, uma corrente de almas naufrágios que não chega aqui.
O vento não atreve a palavra de fio e dentro de mim será a tua voz que me confunde?

O teu calafrio e lâmina e lágrima e a doença feita de Sol.
Tudo claro, percebo-te tão bem, como se o que significas fossem as águas
escuras que vejo quando fecho os olhos e me deixo esmagar por esse lago escavado entre nós.

As águas sobem por mim acima e trazem-me os restos de mim,
A cura atrapalha-me, anestesia os caminhos que percorro e todos os dias
estarei em guerra comigo mesmo e matar-me-ei o mais que possa para que possa viver sem ti.
Sinto encher-me de sangue quente e o mal começa a funcionar em mim outra vez.

De todas as maneiras de dizer o amor escolhi o terror
E sei que agora nunca conseguirei escapar daqui.
De mim mesmo.

Fernando Ribeiro, "Vox" (in As Feridas Essenciais)

P.S. Fechei as minhas palavras na gaveta onde guardo recordações que te não foram oferecidas, que este "sangue" feito poema fale o que a minha voz cansada sibila nos intervalos do vento...

quinta-feira, julho 20, 2006

in-SÓ-nia

"Os pés têm a intimidade da lama, as asas têm a camaradagem da luz.
Todo o pé quer ser asa."
Eça de Queirós - Crónicas e Cartas
Parar a oração para rasurar o papel enquanto a lua se desfaz em linhas de luz invasoras da penumbra, delatoras das formas rectilíneas do branco que serve de invólucro ao quadrado vermelho.
O ponto luminoso ao fundo já quase não se ouve. Baixo, cada vez mais perto do final tal qual fonte seca em que as palavras já não bebem.
Enquanto no branco quase não se respira, o vermelho revolve-se na dúvida da existência. Talvez seja melhor parar, encostar o indicador e um dos seus companheiros para ver se no interior da pele há movimento. Mecânico-contínuo-rotineiro-habitual. Tão simples de fazer, tão incrivelmente difícil de utilizar.
Convém lembrar que continua a ser impossível respirar no branco e que o vermelho continua a agitar-se na dúvida da existência, porque o cérebro quase deserto, sente as palavras em corridas desenfreadas de uma parede para a outra na tentativa desesperada de se estilhaçarem a cada embate.
Cá fora, sob o vermelho revolto sem conseguir respirar no branco, ao som do ponto luminoso que ainda se faz ouvir quase num murmúrio, os olhos abertos, vidrados nos pés alvos de veias negras perceptíveis como um mapa de caminhos perdidos para um único destino.
Caminha-se então, porque já não há retorno à oração interrompida.
Esquece-se o vermelho, o branco, o pequeno ponto luminoso que ainda sussurra e anda-se sobre o mármore frio onde o corpo se ergue alto. Afunda-se o olhar e acredita-se que lá em baixo, na terra marcada pelos relâmpagos da última noite, está o sossego de um derradeiro vôo.

terça-feira, julho 18, 2006

1 semana, 1 dia, 2 horas

As colinas são promissoras na chegada assim como saudosas na partida. O tempo correu célere, as horas foram espremidas, as palavras nunca bastam. Nas minhas mãos ainda se cola a areia do dia, a que separava o meu verde do teu azul. Na minha nuca o vento que vem do Tejo em final de tarde, o que girava à volta das nossas palavras.
Mesmo não estando aí, continuo a respirar-te...

Ass. Menina

quinta-feira, julho 06, 2006

(not) Enjoying the silence

O momento em que me visto de um tosco lilás é aquele em que desvio o olhar. Qualquer lateral será a tua, desde que perfiles a meu lado.
Pode guardar-se um trono?
A necessidade de que, quem por direito, clame para si tal lugar é imperiosa e a pedra não saberia confortar um indigno. Neste reino de destroçadas almas e mentes sequiosas, não há usurpações.
Afinal sou tão somente eu que escrevo o sentir numa linha côncava e que banho a saudade com a saliva ensanguentada.