Da amizade e da saudade
Para a XAyiDe:
Chegaste numa manhã e não falaste. Voltaste numa outra manhã com os teus caracóis, negros-revoltos, adormecidos sobre os ombros e os teus passos sonantes no chão esmeralda baço do corredor escuro onde nos cruzámos tantas vezes. Vieram os dias e com eles chegaram os cafés amargos mexidos em dez minutos de conversa, os sorrisos de quem não se conhecia, as palavras-vírgula com que começámos a pontuar uma amizade que espreitava sentada no último degrau das escadas de alcatifa preta. Depois começámos a falar nas noites que estendíamos pela madrugada e escrevemos, nas horas que estavam por vir, os parágrafos dos teus sorrisos, das minhas lágrimas, da tua impressionante força de viver.
A tua vida saltou, revirou.
Um dia trouxeste uma rosa vermelha amarrada ao teu pescoço, lembro-me que vinhas feliz. Mais tarde, os teus caracóis encolheram-se a medo e os teus sorrisos nasceram tristes. Fiquei ali, paralela, com a palma das mãos livres para quando sentisses que precisavas de as agarrar.
O tempo passou. Chegou o doce, trouxe o amargo e o tempo passou e voltou a passar e trouxe o agridoce, porque cada um tempera a vida como lhe convém ou como melhor sabe.
Hoje, aqui, nesta terra, o horizonte está sépia e nas manhãs já não se mexem cafés em dez minutos de palavras-laços, mas tu já não estás aqui.
Agora as ruas que sulcas são íngremes e o local que te acolhe é imponente, defende-se nas colinas e sol espalha-se no rio, misturando o dourado no azul das águas profundas. Eu ouço-te daí, da cidade onde escreves o palpitar do mundo e emprestas a tua voz à realidade.
Vives lá, voltas quando o coração te pede e entras de rompante sempre com um sorriso nos lábios e eu, e nós, esperamos-te a sorrir para matarmos a saudade no tempo e ver mais uma vez que o teu sorriso voltou a nascer feliz.
4 Comments:
Os meus braços deveriam ter 200 quilómetros...Não sentes o teu ombro molhado às vezes? A equação de quem fica e quem vai dá sempre o mesmo resultado: quem está. E eu continuo a coleccionar pedaços de vós que colo no corpo para me lembrar quem sou.
Porque é tão bom crescer a 2 a 3 a 4 ou a 10, porque é tão bom rir só porque sim, porque é tão bom dizer parvoices e ouvir sorrir do outro lado, porque é tão bom não perguntar e ouvir respostas, porque é tão bom sentir saudades e querer ser teletransportada já,porque é tão bom saber que aquela manhã de janeiro deixou de ser cinzenta...
:)
tremendo... adorei.
mil beijos de saudades feitos
Grandiosos... o gesto e o texto!
«(...)o sol espalha-se no rio, misturando o dourado no azul das águas profundas.».
Breathless!
A ghostkiss!
S.
"é tão bom rir só porque sim, porque é tão bom dizer parvoices e ouvir sorrir do outro lado, porque é tão bom não perguntar e ouvir respostas". Porque essas coisas so se podem manter com as amizades mais resistentes, certo?
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