segunda-feira, agosto 28, 2006

Dívida do coração

Hoje seria mais um dia de festa como todos os outros em que estiveste ao nosso lado... A mamã andaria atarefada a tentar vir mais cedo para casa, traria um bolo especial com pouco açúcar para tu poderes comer, eu sairia mais cedo do trabalho e passaria na florista para te levar um ramo de rosas brancas, as tuas favoritas. E tu... tu estarias sentada no jardim à nossa espera fazendo de conta que não sabias que te preparávamos uma festa, alegarias que já não tinhas idade para soprar velas e que te bastava a família ali, junto a ti, como sempre desejaste.
Sabes, recordo-te todos os dias. Todos os dias me pergunto o porquê da tua partida. Assim. Tão de repente, mesmo sabendo que não foi assim tão repentina, mas não consigo senti-la de outra forma.
Hoje não é dia de festa. A mamã hoje não irá a casa e ainda nem sequer me telefonou. Sinto que está a evitar falar comigo pois sabe que, inevitavelmente, falaremos que hoje seria e é, o dia do teu aniversário.
Minha querida avó, nos dias em que por acaso passo em frente à tua casa já não páro, no entanto vejo as janelas entreabertas, como se o facto do sol lá entrar pudesse de algum modo trazer calor às paredes que te abrigaram nessa longa jornada que foi a tua vida. Aquela casa, que ainda hoje evito olhar, viu-te viver, criar os teus filhos e depois eu. Aquela casa acompanhou o acinzentar dos teus caracóis, acariciou as rugas que o tempo escreveu na tua pele, ouviu os teus ralhos para comigo aquando das minhas diabruras. Sim! Eu sei que muitos daqueles cabelos brancos se deviam a mim e ao meu feitio "torcido" como tu costumavas dizer. Lembro-me das minhas primeiras noitadas e da tua presença à janela, insone, enquanto eu não chegava.
Sabes avó, ontem parei em frente ao local onde agora descansas. Já era noite cerrada e eu não pude entrar. Deixei-me ficar agarrada ao portão alto, de ferro negro. Cravei as mãos nas barras de metal frio, fiquei muito hirta e colei o meu olhar sobre o mármore que acolhe a tua foto. Ao lado estava uma vela muito pequena e a luz tremia, no entanto consegui ver o teu sorriso.
Hoje, tentei não pensar na tua falta.
Faço este estúpido jogo quase todos os dias mas não consigo deixar de a sentir.
Avó, decidi ir comprar as tuas rosas favoritas, as brancas.
Vou levá-las até ti, tendo sempre a contante certeza de que nunca conseguirei compreender porque te foste.

9 Comments:

Blogger Daniel Lemminkäinen said...

que ele possa ter paz e tu também que bem a mereces. não é afinal isso que todos procuramos? bj*

28/8/06 13:26  
Blogger Carlos Ferreira said...

nem sei bem o que te dizer... o texto mexeu bastante comigo...por acaso a minha avó tambem fazia anos a dia 28, mas de outubro, dois dias depois de mim..mas a data de aniversario que nao me passa ao lado nunca é a do meu avô paterno... 14 anos passados e eu continuo a não conseguir viver esse dia sem me estar constantemente a lembrar dele... é a pessoa que mais falta me fez ao longo da minha vida... sinto quase que não cheguei a conhecê-lo...

28/8/06 22:44  
Blogger Winterdarkness said...

Essa compreensao talvez nunca chegue... Simplesmente tentamos aprender a viver com essa dor e a encaixá-la na nossa vida. Ela estará sempre presente para ti e de certeza que te acompanha... O facto de apesar de tudo seguirmos em frente n significa que n sentimos falta da pessoa mas avançamos por nós e, de certa forma, honramos a memória desse alguém que partiu... Beijos grandes

29/8/06 06:54  
Blogger Hermengarda said...

Já dissemos tudo...
Um beijo, companheira!

29/8/06 13:19  
Blogger Black Rider said...

eu também compro sempre rosas à "minha". contigo na tua dor.

beijo

29/8/06 19:21  
Blogger A said...

A melhor homenagem é viver cada dia com a memória feita carne daquilo que os nossos que já cá não estão, nos passaram.

A melhor homenagem é fazer do nosso sangue a bússola que orienta a nossa felicidade porque o sangue é o mesmo e a matéria é feita do que morre e padece, mas a alma não, e o sangue permanece.

A melhor homenagem é viveres cada segundo com a enorme felicidade de teres sido neta de quem és, porque a tua avó vive dentro de ti. Compra as rosas brancas, mas cultiva-as dentro de ti, e descobre as tuas próprias.

A tua avó tinha um sorriso espectacular; o mesmo que vejo em ti quando estás feliz.
Lembro aquela senhora sempre bem disposta, à frente de casa, às vezes rezingona, de ar maroto, toda contente porque trazias uma amiga a casa. E rosas sim, à frente do quintal. E ela lá... de sorriso pronto...

Já não tenho avós nenhuns, mas sei que eles vivem dentro de mim.
Força amiga...

Beijos grandes e obrigada por tudo, por seres quem és, por despertares sorrisos nas ocasiões dificeis...

31/8/06 04:07  
Blogger Sorrow_Leviathan said...

por vezes sinto o coraçao pesado por vos ter abandonado neste tempo infindavel-1 mes na vossa pesarosa magoa e ainda mais sinto o coraçao pesado por nao ter estado ao pe de ti neste dia parado!!!

tambem eu devolvi as rosas ao meu pai(nao brancas mas sim vermelhas-principe negro)no dia 25 de agosto a agradecer o milagre que havia pedido umas semanas antes!recordas-te?beijos minha amiga infernal e k a tua avo tenha descanso num tempo k a nos todos nos aflige!:(

2/9/06 12:53  
Blogger Patrícia said...

(quase) todos, mais cedo ou mais tarde, conhecemos essa dor profunda que se instala para nunca mais partir. E todos sabemos que nenhuma palavra vai amenizá-la. Sabemos que os anos a tornam menos insuportável, menos interventiva. Mas uma década não a apaga. Treze anos não a apagam. E tenho a certeza de que mais também não a apagarão. Porque a minha avó-mãe de caracóis cinzentos também o sabe. E está comigo, ainda que não a possa ver ouvir tocar. Tenho a certeza de que a tua está contigo.

Beijos, Eye

3/9/06 10:20  
Blogger Misantrofiado said...

"Vou levá-las até ti, tendo sempre a constante certeza de que nunca conseguirei compreender porque te foste"
Eu prevejo um sorriso (Único) demarcado quer nos lábios da avó, quer na memória (tua).

Tu, nunca quererias viver para sempre, pois não? Então?!
*

3/9/06 17:42  

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