quinta-feira, julho 20, 2006

in-SÓ-nia

"Os pés têm a intimidade da lama, as asas têm a camaradagem da luz.
Todo o pé quer ser asa."
Eça de Queirós - Crónicas e Cartas
Parar a oração para rasurar o papel enquanto a lua se desfaz em linhas de luz invasoras da penumbra, delatoras das formas rectilíneas do branco que serve de invólucro ao quadrado vermelho.
O ponto luminoso ao fundo já quase não se ouve. Baixo, cada vez mais perto do final tal qual fonte seca em que as palavras já não bebem.
Enquanto no branco quase não se respira, o vermelho revolve-se na dúvida da existência. Talvez seja melhor parar, encostar o indicador e um dos seus companheiros para ver se no interior da pele há movimento. Mecânico-contínuo-rotineiro-habitual. Tão simples de fazer, tão incrivelmente difícil de utilizar.
Convém lembrar que continua a ser impossível respirar no branco e que o vermelho continua a agitar-se na dúvida da existência, porque o cérebro quase deserto, sente as palavras em corridas desenfreadas de uma parede para a outra na tentativa desesperada de se estilhaçarem a cada embate.
Cá fora, sob o vermelho revolto sem conseguir respirar no branco, ao som do ponto luminoso que ainda se faz ouvir quase num murmúrio, os olhos abertos, vidrados nos pés alvos de veias negras perceptíveis como um mapa de caminhos perdidos para um único destino.
Caminha-se então, porque já não há retorno à oração interrompida.
Esquece-se o vermelho, o branco, o pequeno ponto luminoso que ainda sussurra e anda-se sobre o mármore frio onde o corpo se ergue alto. Afunda-se o olhar e acredita-se que lá em baixo, na terra marcada pelos relâmpagos da última noite, está o sossego de um derradeiro vôo.

11 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Essas insonias... curiosamente esta madrugada tive febre tive manhã de pontos luminosos tive pés em chão demasiado quente...

tive algo que não te sei descrever.
ou até sei. estou perdidamente apaixonada e não sei como encará-lo. a ele e ao amor, ao mundo, a mim própria. falha-me a coragem no momento derradeiro.

não assino porque não preciso ;)

talvez se me passares os sapatos a ferro um dia destes, eu te explique como é que "cá" vim parar...

Como tu dirias, dark kiss (estou sem guito no tlm...)

20/7/06 15:10  
Blogger EyeOfHorus said...

Bem... por momentos ia entrando em colapso cardíaco :) Não precisas de assinar porque te reconheceria em qualquer lado minha miga, mas por breves momentos quase que me enganaste ;)
Temos que colocar as conversas em dia, sabes que sempre fui uma excelente conselheira, para os outros e quem sabe um dia... também o serei para mim ;)
Black nº1 kiss

21/7/06 07:20  
Blogger Winterdarkness said...

O "calor" deste sol n deixa de ser ilusório e doloroso porque a luz muitas vezes é apenas "aparente"! Dark Kisses.

21/7/06 09:12  
Anonymous Anónimo said...

Vamo-nos juntar e formar um Clube - a das gajas parvas lol

Sim, sou EU, a que hoje e ontem anda a falhar a coragem, the bolls, you know, e temos de ter uma conversinha MESMO MUITO EM BREVE, para que um dia me possas dizer

Olha, lembras-te lembras-te?...
e aí sim, vais-me poder calar :)

E este teu texto está absolutamente GENIAL...

Camião de beijos

21/7/06 14:11  
Blogger Klatuu o embuçado said...

Sem dúvida existirá, algures, um lugar sagrado... branco será, com verde ao fundo... haverá fontes frescas e pomos preciosos.
Dark kiss.

24/7/06 12:25  
Blogger Unknown said...

que encontres o leito onde te deites e descansses. não interessa o branco do dia ou o vermelho que te choca.

descansa no negro... e canta.

um beijo do tamanho do mundo:

luna

24/7/06 13:54  
Blogger Clarissa said...

Assim que aqui entrei deparei com a citação de Eça, de quem sou fã. Permito-me deixar a sugestão de um excelente livro que indico aqui:
http://instantesclarissa2006.blogspot.com/2006/07/instantes-lvii.html
Este Instante surgiu-me a partir da leitura deste excepcional e actual livro.
Quanto a este texto... delicioso,envolvente, mágico.
Gostei muito.
Um beijo em vôo, a planar...

24/7/06 16:20  
Blogger Clarissa said...

"What I See You Cannot See..."
Penso que quanto maior é esta consciência maior é a solidão, mas também maior a responsabilidade e a urgência de escrever.

24/7/06 16:22  
Blogger Winterdarkness said...

A cena da canção n foi de propósito, simplesmente tem passado muito nos meus pensamentos.. O meu dormir anda a desgastar-me imenso... Odeio a falsidade deste sol, deste brilho quando tudo em mim é negro. Tenho medo da luz... Kisses amiga!

25/7/06 12:36  
Blogger Light said...

abismo...

26/7/06 11:25  
Blogger Sorrow_Leviathan said...

vejo te perecer numa avina onde o vento traz as tua lemranças ate mim:P
pergunt-me qual de nos ira morrer hj, amanha ou nunca!

"as long as i breathe i´ll wait for you"(e para sempre assola-nos no pensamento intermitente dos nossos melhores momentos,uns deles passados na cidade de pedra e mar(mto parecida com a minha segunda casa)e com os quais mrremos a cada dia k passa lol

i won´t forget: "home is where the heart is"

bjs minha doida

1/8/06 02:05  

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