Sempre... do coração
"(...) Há gente de uma coragem extraordinária, por vezes quase obscena. Há gente especializada na resistência, há gente que se deita com a culpa.
A memória vela todos.
O conselho do oráculo a Zenão - Torna-te da cor dos mortos- é para ser levado à letra. O amor morre, sim senhor, e eles não ficam connosco para sempre. Estes lugares-comuns, piedosos e compreensíveis, não iludem outro igualmente banal: ficamos sem um bocado de nós. Assim, a cor dos mortos é o tom do tempo. Nas histórias e nas reflexões que se seguem estamos todos a olhar para um Sol que não nasce. É essa a cor.
Não há apenas saudade dos que nos morrem. Isso é a cratera. Muitas coisas têm de se passar: transformações, recuperações, desistências. Na história que abre este livro, uma mãe morre lentamente diante dos filhos. Quem disse que não se sabe o que acontece depois de morrer?
Depois é a tal costura. Pedaços, detalhes, imagens.
A devastação é sobretudo silenciosa, grande parte dela - se não a totalidade - ocorrendo longe do olhar de amigos e terapeutas. Mas fica sempre alguma coisa. Um remoer, uma fotografia, um ritmo desamparado e, sobretudo, uma correnteza de desespero: é o trabalho da memória, ora crebra, ora grossa, essa grande e incansável artesã. (...)"
A memória vela todos.
O conselho do oráculo a Zenão - Torna-te da cor dos mortos- é para ser levado à letra. O amor morre, sim senhor, e eles não ficam connosco para sempre. Estes lugares-comuns, piedosos e compreensíveis, não iludem outro igualmente banal: ficamos sem um bocado de nós. Assim, a cor dos mortos é o tom do tempo. Nas histórias e nas reflexões que se seguem estamos todos a olhar para um Sol que não nasce. É essa a cor.
Não há apenas saudade dos que nos morrem. Isso é a cratera. Muitas coisas têm de se passar: transformações, recuperações, desistências. Na história que abre este livro, uma mãe morre lentamente diante dos filhos. Quem disse que não se sabe o que acontece depois de morrer?
Depois é a tal costura. Pedaços, detalhes, imagens.
A devastação é sobretudo silenciosa, grande parte dela - se não a totalidade - ocorrendo longe do olhar de amigos e terapeutas. Mas fica sempre alguma coisa. Um remoer, uma fotografia, um ritmo desamparado e, sobretudo, uma correnteza de desespero: é o trabalho da memória, ora crebra, ora grossa, essa grande e incansável artesã. (...)"
Filipe Nunes Vicente, Educação Para A Morte
Tenho saudades quando este era um dia normal. Quando o telefone não parava de tocar, quando dizias que não querias mais do que a presença dos que amas à tua volta. Eu ignorava e comprava sempre alguma coisa te dar.
Mas isso era antes... quando as flores se amontoavam na sala e a luz entrava por todas as janelas da tua casa.
Hoje a tua casa encolhe-se e foge do sol. Não tenho uma prenda para te dar. Não haverá uma única rosa branca na tua sala. Hoje, como em todos os outros dias, falo contigo como aprendi a fazer nos últimos anos. Todos os dias, todas as noites. Um monólogo sublinhado pelo silêncio em que mais uma vez te aperto junto ao coração.
Para sempre...
Mas isso era antes... quando as flores se amontoavam na sala e a luz entrava por todas as janelas da tua casa.
Hoje a tua casa encolhe-se e foge do sol. Não tenho uma prenda para te dar. Não haverá uma única rosa branca na tua sala. Hoje, como em todos os outros dias, falo contigo como aprendi a fazer nos últimos anos. Todos os dias, todas as noites. Um monólogo sublinhado pelo silêncio em que mais uma vez te aperto junto ao coração.
Para sempre...