quinta-feira, agosto 28, 2008

Sempre... do coração

"(...) Há gente de uma coragem extraordinária, por vezes quase obscena. Há gente especializada na resistência, há gente que se deita com a culpa.
A memória vela todos.
O conselho do oráculo a Zenão - Torna-te da cor dos mortos- é para ser levado à letra. O amor morre, sim senhor, e eles não ficam connosco para sempre. Estes lugares-comuns, piedosos e compreensíveis, não iludem outro igualmente banal: ficamos sem um bocado de nós. Assim, a cor dos mortos é o tom do tempo. Nas histórias e nas reflexões que se seguem estamos todos a olhar para um Sol que não nasce. É essa a cor.
Não há apenas saudade dos que nos morrem. Isso é a cratera. Muitas coisas têm de se passar: transformações, recuperações, desistências. Na história que abre este livro, uma mãe morre lentamente diante dos filhos. Quem disse que não se sabe o que acontece depois de morrer?
Depois é a tal costura. Pedaços, detalhes, imagens.
A devastação é sobretudo silenciosa, grande parte dela - se não a totalidade - ocorrendo longe do olhar de amigos e terapeutas. Mas fica sempre alguma coisa. Um remoer, uma fotografia, um ritmo desamparado e, sobretudo, uma correnteza de desespero: é o trabalho da memória, ora crebra, ora grossa, essa grande e incansável artesã. (...)"

Filipe Nunes Vicente, Educação Para A Morte



Tenho saudades quando este era um dia normal. Quando o telefone não parava de tocar, quando dizias que não querias mais do que a presença dos que amas à tua volta. Eu ignorava e comprava sempre alguma coisa te dar.
Mas isso era antes... quando as flores se amontoavam na sala e a luz entrava por todas as janelas da tua casa.
Hoje a tua casa encolhe-se e foge do sol. Não tenho uma prenda para te dar. Não haverá uma única rosa branca na tua sala. Hoje, como em todos os outros dias, falo contigo como aprendi a fazer nos últimos anos. Todos os dias, todas as noites. Um monólogo sublinhado pelo silêncio em que mais uma vez te aperto junto ao coração.
Para sempre...


sexta-feira, agosto 22, 2008

Há noites que me cansam mais do que os dias.
Há palavras que me doem mais do que os actos.

terça-feira, agosto 05, 2008

Ando à frente do tempo num compasso intermitente em que a música se eterniza na angústia do final. Os finais assustam e custam ainda que sejam apenas um ponto de partida, uma porta lacrada que se transforma numa janela.
Sei que parte de mim se recolhe nestes dias em que os pensamentos me tolhem os movimentos e um outro eu surge quando me instigo ao passo em frente.
Sim... repito-me.
Na vontade de caminhar. Por vezes sem rumo.
De querer mais. Sem sempre saber bem o quê.
Repito-me na lógica, aparentemente sem sentido, das escolhas que fiz e em que demasiadas vezes ofereci as costas à auto-punição.
Mas volto a mim e aos outros, a mim e à música, a mim e aos livros, a tudo aquilo que me compõe e desconstrói, a todas as lutas em que ofertei um peito feito alma, sem exércitos, sem receio da queda, com a certeza de que só a glória sobrevive à morte.
Com um desfecho por escrever mudo sem me metamorfosear na totalidade e viro as costas ao rio.