domingo, abril 16, 2006

Vórtice

Adormeci pelo tempo de uma viagem, um sono em que o cérebro inerte permitiu que eu saísse de tudo, que apagasse a metrópole que me é emprestada por noites, que o corpo esquecido num degrau ganhasse dor física, muito mais suportável. A dor tantas vezes ansiada num duelo mental e demasiadas vezes vencida pela inevitável imagem, aço circular que contorna extremidades acariciadas pelo hálito que sopro através de vento e fogo, granizo ferindo as pestanas já ensopadas que se encostam à pedra secular de uma catedral citadina.
A melancolia é dor e as palavras cavalgam cada fio vermelho como se fossem valquírias descontroladas, corpos perdidos que percorrem a noite das ruas em que a planta dos teus pés desliza. Ah... não saibas que coloco a palma das mãos nas pedras rectangulares que forram encruzilhadas, que encosto o ouvido ao chão tentando ouvir o bater solitário dos teus dedos nos rectângulos em que depositas vida, que gatinho por entre pessoas, animais, frestas procurando o teu cheiro.
Por cada esquina que passo rasgo a cal com as presas vermelhas, em jeito de recado para me lembrar que já passei ali, para evitar perder-me no labirinto e ir dar mais uma vez à Espera.
Ah... não saibas que ainda hoje me sentei num lugar comum em que não entras e ao qual não pertenço. Não saibas que desta vez fui eu que esperei que tu chegasses e não tu que eu saísse. Não saibas que hoje não choveu e que as palavras não tiveram resposta. Não saibas, que hoje, ao som do que não deve ser ouvido, me sentei em pedra, escondi as mãos nos bolsos e chorei com a Via Sacra reflectida em mim.
Escrito ao som de "34.788%..." de My Dying Bride