Não voltaste às quatro da manhã.
Não voltaste no dia seguinte. Não voltaste desde então.
Mas tu nunca estiveste...
Fiz a viagem mais solitária que alguma vez poderia ter começado. Perdi o olhar nesse caminho, perdi tudo. Não perdi o nada.
Há algumas noites atrás escolhi ouvir as tuas mãos. Deitei-me, cruzei as palmas, protectoras, sobre o coração e o teu tocar chegou. Triste. O teu tocar sempre soou triste.
Foto por Eye Of Horus
Na noite que se seguiu à primeira não chorei.
Ouves o tempo passar? Eu ouço, mas continuo aqui sentada na mesma pedra em que esperei que voltasses às duas da manhã.
Na noite passada as tuas mãos pediram-me que as ouvisse. Deitei-me, não cruzei as palmas, protectoras, sobre o coração e o teu tocar chegou. Melancólico. O teu tocar sempre se fez ouvir melancólico.
À primeira nota chorei.
Soluçei nas seguintes e quis rasgar o peito para te arrancar do canto em que te entranhaste dentro de mim. Rasguei-te nas minhas mãos sabendo sempre que continuas aqui.
Desfiz-te em mil pedaços e sei de cor que consigo desenhar-te no ar.
Lembra-te, trazes no pescoço o decalque dos meus passos, mas sou eu quem não consegue respirar.”
Foto por Eye Of Horus
Choro este peso que sai agora e me faz sentir tão ténue.
Choro, copiosamente, como se chora um amigo que morre, um amor que acaba, um filho que se perde, um reencontro que não acontece.
Choro este peso que sai agora e dói tanto que me faz gritar.
Choro, angustiantemente, as lembranças que se descolam da minha pele, a areia que sacudo dos meus bolsos, as canções que não voltarei ouvir com o mesmo sabor, as palavras que perderam importância. Choro a crença que definha e este sabor a mar que não me sai da boca.