Baú I
"Este ano parti o elo da corrente que há muito vinha sendo elaborado na minha vida.
Este ano não te escrevi no meu aniversário, nem antes, nem depois. Faço-o muito tempo após para mais uma vez te dizer que a infelicidade é uma constante, a companheira que nunca me largou a mão ao longo de toda a vida.
Não sei o que sinto, não sei onde estou.
Não sei que dia é hoje, não sei que horas são, não sei quem sou.
Descida vertiginosa da euforia para a tristeza, corrida apocalíptica para o inverso. Isto sou eu.
Perante ti, perante mim, em frente de todos os que me conhecem e a assumir perante o universo... eu sinto falta de amor. Quero ser amada por quem escolho amar ou será por quem não escolho? Como me posso esquivar a uma situação que se mostra à minha pessoa para gritar: tu és parte constante, presente e imutável!?
A sensação de que estou a ser julgada por todos os tribunais existentes nos reinos superior e inferior, desnuda-se perante os meus olhos.
O grito « Daqui ninguém sai vivo!» chegou tarde de mais.
26/12/2003
03h40m
P.S. É uma hora tão boa, como outra qualquer, para se esperar por um sinal de ti."
Ontem depois de ter perdido duas lágrimas numa mesa de café, senti saudades de vasculhar o baú que me acompanha desde os doze anos e no qual evito mexer. Tem demasiadas pessoas lá dentro.
Quando encontrei esta carta, lembrei-me imediatamente do seu conteúdo e desta vez não evitei chorar.
Amiga, lembro-me do dia em que começaste a entregar-me cartas que não eram para mim, dizias que ele não te amava e por isso não lhas entregavas. Recordo-me de dizeres que ficavam mais bem guardadas comigo e que seriam a prova de que um dia tu soubeste chorar sem mágoa. Agora, alguns anos depois em que nunca mais soube nada de ti, continuo a guardar-te as cartas e a perguntar-me por onde andarás tu?
Tu que te perdeste na procura da eventualidade de te encontrares... Espero que tenhas conseguido.
6 Comments:
Eu sou uma dessas lágrimas?!...
Tenho uma enorme admiração por pessoas que, não só têm um baú, como conversam com ele. Também eu tenho várias caixas já antigas repletas de memórias... vazias.
A Summer Breeze
Claro que sim, meu caro. A outra nem será necessário explicar, visto que ambos sabemos de quem se trata. Desde já um pedido de desculpas pela má companhia que fui nessa noite. Quanto ao referido baú, optei por encarcerá-lo no vão das escadas que desembocam no meu sarcófago, soterrado sob 1001 coisas, no entanto nunca me consigo esquecer da sua localização... deve ser por causa das vozes que gritam, lá bem de dentro. Como já mencionei, são demasiadas pessoas dentro de uma só caixa.
Bisou
P.S. Type O Negative é sempre uma grande lembrança, mas essa música em particular remonta a um verão negro e à sua brisa profética.
Espero que tenhas retalhos de mim dentro desse baú :)
Beijo enorme. Passa lá no blog... escrevi algo sobre alguém que conheces...
tresanda a Al Berto
tresanda a Al Berto
Car@ anonymous/o tal: é possível que assim seja já que é-me difícil separar do que aprecio, Al Berto é um dos meus escritores favoritos, e portanto, na minha escrita, nota-se as influências seja da música que ouço, dos livros que leio, das pessoas que me rodeiam, enfim... sou um ser exposto ao "meu" mundo. Deixo-te dois poemas, do referido autor, que possivelmente conhecerás e que são dois dos que mais me cativam.
Bisou
«Os ossos encheram-se de lodo»
"Os ossos encheram-se de lodo e
eu comprei um albatroz empalhado
para te vigiar a alma - ao anoitecer
é com os dedos incendiados que enterro
os dias - esta poeira brilhante
que se desprende dos cedros e cai
na fissura entre a máscara e o rosto
um lume maligno solta-se então das águas
a pele adquire o sabor do estuque e do bolor
não há morte ou paixão
que esta cidade não conheça - mas o corpo
não se lembra de tudo - a noite ardendo
desperta o coração - este palácio de plâncton
e de fantasmas com asas de sombra
depois
talvez se ouça o canto quase límpido
do mundo - cinzas onde mergulho
para abrir o tempo e visitar tuas mãos
que a lucidez do amor escureceu"
&
«Resposta a Emille»
"A guerra daqui não mata - mas abre fissuras
Nos nervos - é o que te posso dizer
Deste país que escolhi para definhar
A cidade é u amontoado de lixo de tapumes
De sucata e de casas que se desmoronam
A realidade estragou os olhos das crianças
No fim do corpo em que me escondo espalhou-se
A treva onde
Guardo a corola azulínea de tua ausência
E o marulho nítido de um mar que canta
E um calor sísmico nos lábios que beijaste
É - me difícil continuar a escrever-te
O que me destrói - sei que estou fodido
E tu já não és meu
Preparo-me para entreabrir os olhos e
Deixar escorrer a convulsão oleosa das lágrimas
E das coisas tristes."
P.S.Acho curioso o teu nick de "o tal", recorda-me uma música de Nick Cave que muito aprecio e que me é muito cara, para além de estar, relativamente, ligado ao meu e-mail. Coincidências da vida, talvez...
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