quarta-feira, dezembro 20, 2006

Este blog encontra-se em modo de pausa devido ao pedido que me foi feito pelo mui estimado Voz da Serpente.
Adenda:
O pobre réptil encontra-se num estado de dormência devido aos imensos compêndios com que se tem empanturrado e, neste momento, está com alguma dificuldade na digestão, o que lhe impossibilita a movimentação da língua e das presas, sendo assim é-lhe impossível destilar veneno.
Portanto, e tendo em consideração que este é o único ser rastejante com quem consigo manter uma relação de amizade, sem sentir asco ou fugir a sete pés (sim eu tenho sete pés, só me faltam 93 para conseguir tornar-me numa centopeia), vejo-me obrigada a atender ao clamor que me foi sibilado, de não escrever mais nenhum texto (aqui) até que sua excelência se decida a serpentear até este antro e largar alguma "pele".
O blog retomará assim que o "Black Mamba" serpentear para o exterior ;)
Obrigado.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Sem máscara

I've crossed oceans of time... Now, look me in the eyes. What do you see?


Antes de tudo e depois do tempo lê-me... Decifra os contornos das palavras que deito no vento, fecha os olhos o mais que puderes e sente-me as mãos. O fogo debaixo da pele. O meu negro envolvendo a tua chama, azul.



Depois do nada venho eu... O mar escalou-me o corpo, respondendo às preces de outrora e agora não consigo ver. A água invade-me rasgando a pele, o sal jorra dos meus olhos e eu... eu continuo a ser o nada, as palavras-vento que te chegam em sussurros, os braços que dançam à tua volta sem te tocar, o caminho que trilhas e não te foge, o sangue com que escrevo o teu nome sem doer...
Ainda que triste, sorrio nesta cidade onde o sol já não aquece a alma e as folhas caem assinalando a vida. Espero-te aqui, sem promessas, sem querer mais do que o tempo te permite. Ainda assim o meu eu espera-te.
Trago as tuas palavras guardadas no meu cabelo e sinto-as....

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Hiato da realidade (ainda)



«Não existiram palavras durante 150kms. Só o olhar transmitia os contornos dos pensamentos de cada um. Impossível formalizar o seu conteúdo específico em algo comunicável. Porque consequência da contemplação de Tool, é um silêncio inundado de compaixão.
As primeiras expressões deram lugar à partilha. De uma perspectiva observadora, chega-se à procura do que distingue os fenómenos. Se descrever Tool em termos de bio-diversividade na audiência, quanto à performance, à capacidade técnica, ao rigor ou coerência, à integridade, à temática, pode ser redutor, definir Tool é perigoso – pode transportar-nos para um meio demasiado individual e interpretativo, afastando-se do que é apreciável e a partir daí, dedutível.
Apenas depois da redenção da ausência da sequência Wings for Marie (Part 1) e 10,000 Days (Wings Part 2) no concerto de 5 de Novembro no Pavilhão Atlântico, posso escrever estas impressões.
A obra de Tool é única. Os humanos envolvidos na sua criação são também únicos. Tendo nós a necessidade de ouvir som na forma de música, o acaso pouco coincidente de tais humanos se terem unido na criação artística deve ser celebrado. Em concerto, em pleno.
O móbil pode ser a música, mas a comunicação é feita pela convergência de som, imagem e linguagem. Adam Jones é um humano assustador. Transfigura a côr e a forma. Investe no instrumento e emite sons como se caminhasse no espectro sonoro com as mãos. No entanto, fixa o olhar, estático. Impetuoso, porém, quase sem movimento. Danny investiga os limites da percepção do tempo como ritmo – o que é regular ou irregular, como comunicar através de peles, de sons percussivos: o que é acompanhar noutros, aqui tem as suas próprias sensações. Justin sente arritmicamente o que toca, busca o som, busca, com retoques de simplicidade, expressar-se com o veículo em que melhor encontra as ferramentas, manipula, manuseia. Maynard, contém nas parábolas que descreve o que rege os humanos, o que dominou o séc. XX – o cérebro. Pensamento, comportamento, relacionamento.
O modelo de concerto de Tool ultrapassa a linearidade convencional. O modelo de concerto celebrizado no séc. XX, onde os humanos vão ver como o guitarrista, o baixista, o baterista e o vocalista tocam as músicas, está redefinido em Tool. Já esteve mais distante, quando a disposição omitia a voz. Agora a disposição é do tipo quarteto de cordas, alargado para deixar o centro do palco vazio. Mas a complementaridade entre a interpretação daqueles artistas, da potência acústica, da qualidade tímbrica, do excêntrico com o trivial, da côr, da luz, das palavras, transporta para uma dimensão onde tomamos contacto com a obra de Tool. Por momentos, esperando um dia alcançar essa sensação durante toda a duração, há uma tendência hipnótica, tornando o acto de assistir a este concerto uma experiência paradoxalmente acusmática – ouvir um som do qual não se vê a origem, o emissor; estar num concerto onde a complementaridade, a integridade, a coesão de todos os parâmetros dissolve a existência de emissor – de quatro humanos em palco a tocar instrumentos e a cantar palavras.
Tool tem Identidade.
Os olhos da pandilha desceram as pálpebras. Até ao regresso, no próximo verão.»
David Miguel, TOOL - 10000 Days

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Sento-me, transparente, ao lado do teu sono. Com o indicador contorno-te o olhar, num toque que não se faz sentir e ainda assim sorrio. Dormes enquanto encostas a cabeça no meu peito e não me sentes. Contorno-te os lábios com o polegar e tu não me sentes. Transparente. Sente-me...

quarta-feira, dezembro 06, 2006

A morte rouba-nos sempre os melhores

Now that the wind called my name
And my star had faded now hardly a glimpse up in the empty space
And the wise one-eyed great father in the sky stilled my flame
For the ones who stood me near
And you few who were me dear
I ask of thee to have no doubts and no fears
For when the great clouds fills the air
And the thunder roars from o, so far away up in the sky
Then for sure you will know that I have reached the joyous hall up high
With my bloodbrothers at side
All sons of father with one eye
We were all born in the land of the blood on ice
And now you all who might hear my song
Brought to you by the northern wind have no fear
Though the night may seem so everlasting and forever dark
There will come a golden dawn
At ends of nights for all yee on whom
Upon the northstar always shines
The vast gates to hall up high
Shall stand open wide and welcome you with all its within
And Oden shall hail us bearers of a pounding hammerheart
Hammerheart - Bathory


sexta-feira, dezembro 01, 2006

Da amizade e da compreensão

Para a Voz da Serpente:


«Como o sangue, corremos dentro dos corpos no momento em que os abismos os puxam e devoram. Atravessamos cada ramo das árvores interiores que crescem do peito e se estendem pelos braços, pelas pernas, pelos olhares. As raízes agarram-se ao coração e nós cobrimos cada dedo fino dessas raízes que se fecham e apertam e esmagam essa pedra de fogo. Como sangue somos lágrimas. Como sangue, existimos dentro dos gestos. As palavras são, tantas vezes, feitas daquilo que significamos. E somos o vento, os caminhos do vento sobre os rostos. O vento dentro da escuridão como o único objecto que pode ser tocado. Debaixo da pele, envolvemos as memórias, as ideias, a esperança e o desencanto.
Depois das nuvens, no último lugar do mundo, ficamos aonde não chegam as vozes. Os nossos olhares estendem-se aos cantos mais esquecidos das casas, ao fundo do mar, aos lugares que só os cegos vêem, às rochas cobertas por folhas na floresta, às ruas de todas as cidades. Os nossos olhares tocam os lugares iluminados e tocam os lugares negros. Ninguém e nada nos pode fugir. À noite, estendemos os braços para entregar uma bala, ou um frasco de veneno, ou uma lâmina, ou uma corda. À noite, tocamos em rostos. E sorrimos. O som de um tiro. O fogo dentro de um frasco de veneno. Sangue a secar na linha de uma lâmina. Uma corda esticada na noite. Morte fogo sangue morte. E sorrimos. Longe da lua, depois das nuvens, o nosso rosto é uma ferida aberta no céu da noite. O mundo, diante de nós. Podemos tocar-te agora. Com o movimento mais pequeno de um dedo, podemos destruir aquilo que te parece mais seguro. Estás diante de nós. Se quisermos, podemos tocar-te. Se quisermos, podemos destruír-te.
Dentro e sobre os homens, somos o medo. São as nossas mãos que determinam a fúria das águas, que fazem marchar exércitos, que plantam cardos debaixo da pele. Sabemos que nos conheces. Em algum instante da tua vida, enchemos-te e envolvemos-te com a imagem da nossa voz, a imagem do nosso significado, o silêncio e as palavras. Num instante que escolhermos podemos voltar a encher-te e a cobrir-te. Sabemos que conheces o frio e a solidão à margem das estradas quando a noite é tão escura, quando a lua morreu, quando existe um deserto negro à margem das estradas. Olha para dentro de ti e encontrar-nos-ás. Olha para o céu, depois das nuvens, e encontrar-nos-ás. Nunca poderás esconder-te de nós. Esse é o preço por caminhares sobre a terra onde, um dia, entrarás para sempre. As últimas pás de terra a cobrirem-te serão as nossas pálpebras a fecharem-se. Só então poderás descansar.
Somos o medo. Conhecemos tantas histórias.
Todos os amantes que olham pela janela e imaginam que se perderam para sempre. Todos os homens que, num quarto de hospital, abraçam os filhos. Todos os afogados que, pela última vez, levantam a cabeça fora de água. Todos os homens que escondem segredos. E tu? Escondes algum segredo? Não precisas de responder. Conhecemos a tua história. Vimos-te mesmo quando não nos vias. Vemos-te agora. Escondes algum segredo? Responde quando te olhares ao espelho. O teu rosto duplicado: o teu rosto e o teu rosto. Quando vires os teus olhos a verem-te, quando não souberes se tu és tu ou se o teu reflexo no espelho és tu, quando não conseguires distinguir-te de ti, olha para o fundo dessa pessoa que és e imagina o que aconteceria se todos soubessem aquilo que só tu sabes sobre ti. Nesse momento, estaremos contigo. Envolver-te-emos e estarás sozinho.
Depois das nuvens, sobre os homens, debaixo da pele, dentro dos homens, esperamos por ti. Estamos a ver-te agora, enquanto lês. Estaremos a ver-te quando deixares de pensar nestas palavras. Dentro e sobre o teu rosto, sabemos os teus segredos. Sabemos aquilo que escondes até de ti próprio. Não nos podes fugir.
Na palma das nossas mãos seguramos o teu coração. Se quisermos, podemos apertá-lo agora. Se quisermos, podemos esmagá-lo. Não podes fazer nada para nos impedir. O nosso olhar está parado sobre cada um dos teus gestos e sobre cada uma das tuas palavras. Diz uma palavra agora. Faz um gesto. Sorrimos perante as tuas palavras, como sorrimos perante o teu silêncio. Ninguém poderá proteger-te. Ninguém pode proteger-te agora. És ainda menos do que imaginas. Nós assistimos a mil gerações de homens como tu. Para nosso prazer, deixámo-los caminhar pelas linhas das nossas mãos. Para nosso prazer, tirámos-lhes tudo. Guiámos gerações inteiras de homens por tunéis que construímos em direcção a nada. E, quando chegaram ao vazio, sorrimos. És igual a todos eles. Esperamos por ti dentro e sobre o teu rosto. Continua o teu caminho. Segue por essa linha da nossa mão. Nós sabemos onde termina esse túnel em que caminhas. Continua a caminhar. Nós esperamos por ti. Sorrimos ao ver-te. Depois das nuvens, somos o medo. Debaixo da pele, somos o medo
José Luís Peixoto, "Dentro e sobre os homens" (in Antídoto)
Acho que nunca em toda a minha vida, procurei tantas respostas às imensas perguntas que bailam na minha cabeça. Começo a recear a noite, que tantas vezes me acolhe sem nada perguntar, porque fico mais só do que alguma vez fiquei. Posso afirmar-te que quase consigo mergulhar as mãos, limpas, dentro do meu cérebro.
Revolvo, amasso e volto a revolver.
Mudo tudo de sítio e volto a colocar nas primeiras posições. Páro e nada está no local onde eu havia deixado. Volto mais uma vez, regresso dentro de mim e revolvo na esperança de encontrar uma resposta, mas depois sinto que de um momento para o outro me esqueci do que procurava e então tiro tudo do sítio, mais uma vez, e não está lá nada, só as perguntas a camuflar as respostas e desespero, porque as palavras da solução são invisíveis e desta vez, só por esta vez não as consigo ver. Fico ali, sentada no chão da minha cabeça a olhar o céu que é cada vez mais escuro e as trevas sobem por mim acima e eu não me consigo mexer e choro e desespero e vejo que chegei ao fim da procura, continuo sem respostas e os meus olhos estão em brasa e eu, meu querido J... eu não faço qualquer sentido.
Normalmente, desisto da busca, adio-a para a noite seguinte.
Sento-me no chão do meu quarto, acendo um cigarro mais desesperado do que eu, porque prefere arder no seu próprio fogo do que deixar-se queimar no fogo de outrem e sento-me ali,tipo uma criança que se senta no chão e começa a mergulhar as mãos na terra e brinca e ri, porque gosta do modo como sente a terra a escorrer-lhe de uma mão para a outra. Eu brinco assim com o vazio e passo-o de uma mão para a outra e deixo-o caír-me sobre o cabelo até que me inunde o olhar e depois, ao fundo, a banda sonora de catarse, e choro, choro muito, provoco um dilúvio. Em seguida levanto-me e vou deitar-me para não conseguir dormir.
No fim de tudo isto, de todas estas palavras que não sei porquê me apeteceu escrever-te, continuo a sentir, a achar, que perdi o sentido.
Não sei onde. Não sei quando.
Esqueço-me em vida e jamais me lembrarei em morte. Ao fundo, a música continua...